(por Leonardo Trevisan)
A Europa chegou, com o acordo em Bruxelas o mais perto possível do Plano Brady, que organizou a saída da crise da dívida insolvente da América Latina nos anos 90. Este é o fato: os títulos gregos ganharam uma garantia real e os bancos tiveram que aceitar perder um pouco para não perder tudo.
Esta é a razão das bolsas voltarem a subir, após a reunião de Merkel com Sarkozy em Berlim: os bancos que tem títulos gregos (dois terços deles estão em bancos franceses) passam a ter uma garantia do BCE. Em troca, 20% do total dessa dívida é reduzido “voluntariamente” pelos bancos. Aliás, como exigia a Alemanha.
Sequência das “caras da crise”: Merkel estava contente no El País
No Plano Brady original esse valor foi maior: 35%. E a garantia também era maior: a do Tesouro americano. O que permitiu uma imediata liquidez para o comércio dos títulos “podres” da dívida latino-americana.
O mecanismo do plano de resgate europeu é o mesmo; o que difere são os valores. E, claro, a concordância do sistema privado. É essa a “bronca” enorme das agências de risco,. O tom usado pela Fitch é inédito: “calote restrito” , com o que, se tudo for levado ao pé da letra, o BCE não teria mais o direito de comprar títulos gregos. O tom da Fitch é o de quem desconfia de que nem todas as promessas serão cumpridas, nem pelos governos dos endividados (especialmente o grego) e também não pelos “fiadores” do acordo.
A começar pelos valores reais anunciados para esse segundo bloco de ajuda do Eurogrupo para os gregos. O El País de hoje dá detalhes desse “acordo” que são um pouco diferentes da euforia geral.
Primeiro, o texto do acordo reconhece que o caso grego é tão grave que “requer uma solução excepcional”. E que o setor bancário concordou em apoiar “voluntariamente” a Grécia.
A simples leitura do acordo, como notou o El País mostra que esse apoio não é bem voluntário: o Eurogrupo fala que a contribuição dos bancos será de 37 bilhões de euros entre 2010 e 2014, sem especificar a necessidade de” recompra de outros 12,6 bilhões de euros em títulos gregos” levando a 50 bilhões ajuda particular do total do aporte de 110 bilhões para o segundo plano de ajuda à Grécia.
A íntegra da matéria do El País está no endereço aqui
Convém não se enganar: o acordo foi feito nos termos em que desejava a Alemanha, apesar de toda a linguagem “diplomática”, em relação aos mercados, do texto. Angela Merkel não assinaria o acordo de Bruxelas sem garantias estritas de que os bancos “pagariam parte do resgate e não só dinheiro público” como exige o eleitorado alemão.
Segundo, a Europa avançou para uma garantia mais sistêmica do euro, não só mais a oferecida pela Alemanha , principalmente, e França. A reunião de Bruxelas mudou a função e o papel do Fundo de estabilidade Financeira Européia que tinha o sentido de um “depósito inerte” para ser uma instituição ativa e co-respondável.
Terceiro: o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, presente na reunião prévia de Berlim entre Sarkozy e Merkel, deixou bem claro que “continua temendo que a participação privada desencadeie danos nas instituições financeiras européias”. Ele deve saber muito bem do que fala. Os bancos franceses não têm títulos podres só da Grécia, para citar um caso. Por exemplo, os bancos espanhóis detêm mais de 60% da dívida portuguesa.
A transparência exigida nos aportes “voluntários” – como sempre quis Angela Merkel – deixará o sistema financeiro europeu mais limpo, para os que sobreviverem a essa “transparência”, é claro. Na linguagem exata do BCE: “a Europa tem um déficit muito grande de instituições capazes de não somente organizar uma intervenção financeira rápida em momentos de emergência como também com força para converter os grandes acordos em múltiplos e pequenos compromissos que permitam uma aplicação sem tensões entre os países membros”. Não é preciso ser mais claro?
O editorial do El País, depois de reconhecer que o acordo de Bruxelas derrubou o custo da dívida espanhola para 260 pontos acima do preço dos títulos alemães (há três dias estavam em 390 pontos) disse que é preciso lembrar que Bruxelas só expôs “pontos de atuação. Bastará que ocorram tensões na aplicação desses princípios para que renasça a tensão nos mercados”,
Por enquanto, os mercados estão calmos e subindo. Viva a euforia, portanto.